domingo, 13 de dezembro de 2009

O veterano

Quando criança, havia um senhorzinho idoso que morava próximo à minha casa. Ele ficava horas olhando para o vazio ao movimento vagaroso de sua cadeira de balanço. Em minha fase hiperativa da infância, não entendia como ele conseguia ficar sem fazer nada por tanto tempo. Um dia tomei coragem e fui conversar com ele, sendo que o mesmo me recebeu com um sorriso e logo nos tornamos amigos. Quase toda tarde sentava-me para ouvir suas histórias incríveis de vida. O sexagenário de aparência franzina havia lutado pela FEB (Força Expedicionária Brasileira) na Itália contra os nazistas. E era lá da Itália, é claro, que surgiram as suas principais histórias. "Na guerra, não há nada de belo como é mostrado nos filmes", dizia o ancião. Lembrava dos companheiros que perdera, do frio que passara e do medo que o aterrorizara. "Mas comigo lá aconteceu algo que dava um belo roteiro de filme", completava o homem. E é exatamente essa história que contarei.

O jovem soldado brasileiro chegava à Itália requisitada para dar a vida em favor da humanidade e em detrimento dos perversos soldados de Hitler, mas não sem antes passar por rigorosos treinamentos aplicados pelos americanos. Foram meses de treinamento antes de ir para o front. A maior parte do tempo era de tensão e de confronto. No entanto, existiam alguns momentos de calmaria e foi em um desses momentos de bonança efêmera que conheceu Caterina – uma italiana de jeito inocente e linda cujos olhos azuis eram as coisas mais belas que aquele rapaz já vira. O primeiro contato foi numa cidadezinha quando ela o ofereceu água enquanto ele e mais um descansavam. Foi inevitável a atração logo no primeiro contato. A tropa permaneceu três dias e nesse período os dois vivenciaram experiências inesquecíveis de amor. Fora repreendido por seus superiores por conta das "escapadas". Antes de seguir caminho, prometeu que voltaria para buscá-la após a guerra e que agora tinha mais um motivo para se manter vivo. Contudo, não sabia ele que voltaria ali antes do término da guerra. Uma semana depois, retornaram àquela cidade. Ao chegar, observou que a casa de sua linda havia sido completamente destruída por uma bomba, o que lhe fez entrar em pânico. Correu em direção aos escombros, ainda que em seu íntimo soubesse que quem estivesse ali não sobreviveria. Após a varredura da pequena área destruída, perguntou a um soldado que estava no momento da explosão e foi informado que morreram dois soldados que se abrigavam na casa, mas não sabia se havia algum civil. Andando sem destino à procura de sua amada, enfim a achou são e salva. Correu um em direção ao outro e se beijaram ardentemente. Felizmente, a italiana e sua família não estavam na residência no momento da explosão. Despediram-se e novamente prometeu o brasileiro retornar.

Passado o terror da guerra, voltou para o Brasil com o contingente, mas logo retornou à Península Itálica em busca de seu amor. Quando retornou, vislumbrou a cena mais aterrorizante, mesmo com o fim do conflito mais sangrento da história da humanidade. Sua amada, inocente e de belos olhos estava beijando outro rapaz. Seu teto desabou. Já havia até preparado a casa no Brasil. Caterina era na verdade uma rapariga – isso em 1945. Foi obrigado voltar ao Brasil sozinho e com o coração partido. A moral da história clássica: nem tudo o que parece ser, é.

No dia em que o homem de cabelos grisalhos me contou isso, quis deixar bem claro que aquela história não tinha o escopo de mostrar que não se deve confiar nas mulheres. Pelo contrário. Foi no seu regresso ao Brasil que conheceu no Rio de Janeiro a mulher que passaria o resto de sua vida ao seu lado, fielmente – uma cearense exuberante. Ao lembrar-se de sua esposa – que morrera há alguns anos –, seus olhos mergulharam em algumas lágrimas. "Eu confiei que o sentimento amor poderia surgir, mesmo depois do golpe", lembrava o veterano com um leve sorriso na face cansada.

domingo, 10 de maio de 2009

A moreninha

Lembro-me muito bem da véspera do início da 5ª série. Quase não podia esperar para usar meus materiais novinhos em folha e ver como era o tão falado ginásio. A escola era outra, para cada matéria havia um professor e seríamos quase adultos – pelo menos era o que pensávamos. Época boa. Não sei falar, contudo, se foi a melhor de minha vida acadêmica, pois cada período de tempo guarda suas peculiaridades nostálgicas especiais – seja o jardim, o primário, o ginásio, o ensino médio e, até mesmo, a faculdade.

Pois bem, o primeiro dia no ginásio foi um pouco diferente do que eu imaginava, trazendo-me, inclusive, uma vaga saudade de minhas "tias" de outrora. Porém, com o passar do tempo, no auge dos meus quase onze anos, senti pela primeira vez algo que nunca havia sentido antes: atração pelo sexo oposto – e num modo inocente, o que caracterizaria uma das formas mais belas dessa sensação. Ela era uma moreninha de olhos negros, cabelos castanhos e um jeito doce. É claro que não admitia minha admiração para ninguém – nem para mim mesmo –, mas instintivamente passei a me aproximar dela. Rapidamente nos tornamos grande amigos, chegando ao ponto dela me bater de vez enquanto – na infância, quando a menina bate no menino, quer dizer que ela gosta dele. Até deixava de jogar bola na educação física para ficar perto da menina.

Um dia, quando estava saindo para escola, escutei meu vizinho idoso dizendo que iria chover, e, sabendo de suas previsões infalíveis, prontamente, busquei meu guarda-chuva do homem-aranha para me prevenir. Conforme o sábio homem disse, choveu bastante na hora da saída. Percebendo que a moreninha não estava prevenida como eu, ofereci-a uma carona até sua casa. Foi um momento maravilhoso poder estar dividindo o espaço de uma circunferência de um pequeno guarda-chuva com ela. Adorava estar com o meu braço colado ao dela, mesmo que não passasse por minha cabeça nenhum de meus pensamentos que, hoje, se sobressaem quando estou tão próximo de uma mulher. A experiência foi tão marcante que passei a adotar o "método do inverso": quando tinha certeza que iria chover, não levava meu guarda-chuva, para abrigar-me no da moreninha; quando o céu e as previsões meteorológicas da TV e do ancião meu vizinho demonstravam leve possibilidade de chuva, levava o meu, no intuito de poder andar juntinho com a menina. As voltas para casa nos dias chuvosos tornaram-se sempre mais alegres.

No ano letivo seguinte, 6ª série, percebi que minha amiga não tinha ido à escola no primeiro dia, nem no dia seguinte, nem na semana. Foi aí que, após perguntar uma das amigas da moreninha, soube que ela tinha ido embora para o Rio de Janeiro de forma repentina, não dando tempo de se despedir da maioria dos amigos. Nunca mais a vi... Até esses dias.

Semana passada, com a vitória do meu Mengão no campeonato estadual, alguns amigos me chamaram para bebemorar num boteco. Chegando lá, deparei-me com uma coisa inusitada: um botafoguense querendo ter razão mesmo depois da derrota. Além do chorão, outra coisa me chamou mais a atenção: a mulher que nos servia a cerveja. Quando a vi tomei um susto. Os olhos, cabelos e pele eram os mesmos de minha companheirinha da 5ª série; mas seu jeito não era tão doce quanto antes. Ela olhou indiferente para mim – parecia que não se lembrava mais de mim, ou pelo menos fingia não se lembrar. Diante dessa atitude, permaneci inerte, sem lhe dizer nada, somente fitando-a e ela abaixando a cabeça, mesmo que a vontade fosse outra.

Em certo momento, surgiu de trás do balcão uma criança de mais ou menos 2 anos chamando-a de mãe. No primeiro momento fiquei estarrecido com tal coisa, mas depois fui me conscientizando. Afinal, quando ela teve esse filho, provavelmente já tinha seus 16. Embora fosse um pouco precoce, não é nada tão anormal uma mulher ter um filho tão jovem. Quando estava me acostumando com a ideia da moreninha já ter um filho, apareceu outra criança dizendo "mãe". Agora aparentando ser mais velha. Quando um amigo meu puxou assunto com a criança, a mesma respondeu com os dedos da mãe que eram 7! Fazendo rapidamente a conta, percebi que o menininho nascera pouco depois da amizade entre mim e a moreninha; ou seja, aquela mesma menina que brincava comigo, de jeito doce, havia sido mãe. Alguém se aproveitara de sua inocência e lhe fizera um filho. Talvez aquela criança que estava diante de meus olhos tenha sido o motivo da partida súbita da moreninha. Pobre criança filha de outra criança. Depois disso fui embora e meus amigos ficaram sem entender nada. No dia seguinte, tomei coragem e resolvi voltar no bar. Chegando lá, encontrei um homem limpando o recinto, e indaguei a respeito do paradeiro da moça, que me disse que ela havia voltado para o lugar onde morava. Antes de sair, certifiquei-me a respeito do nome, sendo confirmado pelo homem que se tratava, de fato, da moreninha.

Cheguei em casa e não pensava em outra coisa. Ao lado de minhas lembranças dela sorrindo alegre em baixo de guarda-chuvas, estará ela com uma barriga desproporcional de grávida, arrancando-lhe a inocência. Fico a pensar: quantas "moreninhas" deve haver por aí?

domingo, 3 de maio de 2009

A cigana

Final de tarde, pisando na areia fofa à beira mar, numa praia deserta do mês de junho, era onde eu estava de corpo mas não de alma, pois meus pensamentos estavam distantes, tão distantes quando o limite do horizonte daquela imensidão azul ao meu lado. Perguntas do tipo: "Por que ela nem me deu ao menos uma chance?" e "Será que ele é melhor do que eu?" vinham e voltavam há todo momento. Sobre a segunda, a resposta só poderia vir através de comparações, e eis que comecei a fazê-las: modéstia à parte, mas eu sou mais gentil, carinhoso e inteligente; ele é tão quebrado quanto eu, o que descarta a possibilidade de interesse financeiro; então só sobra o quesito beleza exterior, que, embora eu não concorde, ele deveria vencer-me de lavada, uma vez que superaria todos os outros atributos de minha pessoa. Foi nesse momento que eu – uma pessoa extremamente cética no que diz respeito às previsões de futuro por meio de leitura de mãos, bola de cristal, astrologia, carta, tarô e tantas outras pseudociências – considerei significativamente o que uma cigana havia me dito anos atrás.

Num dia tórrido de verão, próximo à pequena loja de móveis de minha mãe, parei um daqueles carrinhos de picolé, cujas pessoas que empurram quase sempre gritam "Olha o picolé, olha o picolé" e são rebatidas por crianças oportunas dizendo "Água pura, ninguém quer". Pois bem, perguntei "tem de quê?" e me pus a saborear o gélido petisco, trazendo de meu interior um "Hum!". Mas, antes, havia pagado ao ambulante com uma nota alta, o que lhe fez me entregar várias moedinhas como troco, todas oriundas do dia árduo de trabalho. Uma cigana esperta sentada à sombra observou e foi logo se aproximando para oferecer seus serviços paltados na charlatanice. Pediu-me a mão – mesmo depois de eu ter dito que não acreditava – e colocou-se a revelar meu destino, sorrindo com uma boca repleta de dentes dourados:
– Meu jovem, não duvide do poder de titia – era assim que ela se denominava. – Estou vendo seu destino! Sua linha da mão que corresponde ao coração revela-te uma pessoa muito boa. A da vida, a julgar pelo seu tamanho, digo-te que viverás muito. Mas a linha do amor – parou de falar por alguns segundos para então recomeçar, – é um pouco confusa; vejo que você não será feliz no amor, sofrerá muito por esse sentimento.
Terminou aí seu serviço que me custara metade das moedas recebidas pelo vendedor de picolé.

No momento da "leitura de minha mão" não dei a mínima para o que aquela velha mulher disse, mas tempos depois, após reflexões à beira mar, considerei bastante. Evidentemente que não passei a crer que nossos futuros estão predestinados nas palmas de nossas mãos, sendo possível serem lidos por pessoas nômades que vivem por aí de doações um tanto quanto forçadas; porém, acredito sim que aquela cigana me tenha dito um pouco de verdade. Ora, para ela dizer aquelas palavras, possivelmente, se baseou em algo: quando disse que eu possuía um bom coração, era visando estimular minha benevolência, dando-lhe mais moedas; ao se referir à longa vida, falou por falar, já que eu era bem jovem; e pela infeliz vida amorosa, baseou-se tão-somente em minha forte tendência à feiura. É bem verdade que ninguém, salvo minha mãe e mulheres com idade superior aos sessenta anos e apertadoras de bochechas, havia dito que eu era belo, mas ninguém nunca tinha me chamado, implícita e diretamente, de feio – excluindo as brincadeiras com os amigos.

É óbvio que a conclusão de que sou feio não tirei apenas dessa experiência com a cigana, até porque olhar minha imagem refletida no espelho já diz isso mais abertamente; mas ela me esclareceu bastante. Por onde será que andas aquela senhora?

sábado, 25 de abril de 2009

Não aguento mais (sem trema)

Nunca fui muito do tipo observador; os mínimos detalhes quase sempre passam despercebidos por meus olhos. Com aqueles dois pinguinhos em cima do "U", então nem se fala. Maldito trema, que, aliás, é mais conhecido como "dois pinguinhos", tal como é o caso das reticências, vulgas "três pontinhos".

Sempre esquecia dos irmãos gêmeos em minhas redações no tempo de escola. Mas, na correção da professora, lá estavam eles de vermelho, como se me dissessem: "esqueceu de mim de novo, seu besta", o que acabou criando uma relação de inimizade entre nós – quando eu não os esquecia, deixava-os de fora de meus textos propositalmente. Eu cá e eles lá.

Mas, como todos sabem, houve um acordo ortográfico entre os países lusófonos (países que falam a língua portuguesa), e, entre outras regras estabelecidas, o trema foi retirado de nossas palavras. Ao ler isso pela primeira vez, inevitavelmente brotou em minha face um sorriso de "bem feito pra ele". Enfim, estaria livre desses dois pinguinhos, que, embora suas regras de utilização não fossem tão difíceis, eram extremamente chatos.

O tempo passou e apaguei de minha mente esses dois. Quando lia palavras como cinqüenta, lingüiça, pregüiça (sic) e etc (Ops, será que preguiça possuía mesmo trema? rs), para mim não passavam de sujeirinhas insignificantes que nem mais tinham valor. Entretanto, mal sabia eu que elas ainda se vingariam de mim, colocando-me numa situação constrangedora.

Semana passada, fui fazer uma prova de português na faculdade. Ela até que estava fácil de início, até cair numa questão, no mínimo, misteriosa, cujo enunciado era: "A propagando abaixo possuía um erro ortográfico para a época, 1991, que hoje em dia não é mais considerado. Descubra-o justificando". E lá estava a questão:
"DIETAS SOB MEDIDA PARA QUEM NÃO AGUENTA MAIS DIETAS".
A professora no momento da explicação ainda disse:
–"Viu como sou boazinha? Estou até dando uma questão de graça."
Evidentemente, o erro ali era a falta do trema na palavra "aguenta"; mas cadê que eu descobria. E o pior que eu nem deixei em branco; acabei inventando um erro nada a ver, o qual prefiro não comentar aqui.

Após entregar a prova, a primeira pessoa que apontou fui logo indagando qual o erro na referida questão. Quando a pessoa me disse qual era, de forma involuntária, minha mão deu um tapa em minha testa e soltei um palavrão cabeludo – que também prefiro não comentar –, deixando um grupo de meninas que estava conversando ao meu lado perplexas.

Estava convencido que evitaria qualquer assunto sobre aquela prova. Mas foi impossível. Estava sentado, solitariamente, quando o grupinho se formou em minha volta discutindo as questões. Um me perguntou:
–"como foi?"
Respondi mais ou menos.
Outro, porém, atingiu meu calcanhar de Aquiles:
–Aquela questão do trema você fez, né?
Gaguejei e perceberam que eu havia errado. Aí já sabem como é aluno. Foi aquele alvoroço, gargalhadas e adjetivos carinhosos, como "anta", "burro", "animal" e etc. Foi aí que eu resolvi procurar outro que também havia errado a mesma questão, para dividirmos o posto de mais burro. Mas não encontrei ninguém que havia compartilhado de minha "falta de atenção" (“acho que prefiro dizer assim”); até o cara mais à toa de minha sala jurou de pé junto que não era tão imbecil assim para errar uma questão daquelas.

A verdade é que o trema, mesmo já extinto, continua me causando transtorno. Ah, como o odeio!

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Começando... Testando

Certa vez, há um bom tempo, resolvi criar um blog como esse, onde eu escreveria o que me desse na telha, independente de um tema específico; mas não obtive êxito, já que o meu tempo era reduzido e o número de visitantes era pouco. Aliás, escrever um blog sem tema específico é como uma banda de música eclética: o pessoal até acha legalzinho, mas nunca faz sucesso. Esse, porém, não deve ser diferente, pois o meu tempo está menor e ainda continuo escrevendo as mesmas baboseiras de outrora.

De qualquer forma, estou de volta... Enquanto durar...

Ah... E antes que eu esqueça: meu nome é Fabrício, tenho 18 anos (quase 19), moro no Espírito Santo (aquele lugarzinho entre a Bahia e o Rio de Janeiro que quase ninguém ouve falar – até parece que eu estou falando do Acre) e sou estudante de direito. Por enquanto, isso já basta sobre mim. Quem quiser descobrir um pouco mais sobre minha pessoa – que, confesso, não é nada tão exuberante – é só dar uma passadinha de vez enquanto por aqui. Até mais.