domingo, 10 de maio de 2009

A moreninha

Lembro-me muito bem da véspera do início da 5ª série. Quase não podia esperar para usar meus materiais novinhos em folha e ver como era o tão falado ginásio. A escola era outra, para cada matéria havia um professor e seríamos quase adultos – pelo menos era o que pensávamos. Época boa. Não sei falar, contudo, se foi a melhor de minha vida acadêmica, pois cada período de tempo guarda suas peculiaridades nostálgicas especiais – seja o jardim, o primário, o ginásio, o ensino médio e, até mesmo, a faculdade.

Pois bem, o primeiro dia no ginásio foi um pouco diferente do que eu imaginava, trazendo-me, inclusive, uma vaga saudade de minhas "tias" de outrora. Porém, com o passar do tempo, no auge dos meus quase onze anos, senti pela primeira vez algo que nunca havia sentido antes: atração pelo sexo oposto – e num modo inocente, o que caracterizaria uma das formas mais belas dessa sensação. Ela era uma moreninha de olhos negros, cabelos castanhos e um jeito doce. É claro que não admitia minha admiração para ninguém – nem para mim mesmo –, mas instintivamente passei a me aproximar dela. Rapidamente nos tornamos grande amigos, chegando ao ponto dela me bater de vez enquanto – na infância, quando a menina bate no menino, quer dizer que ela gosta dele. Até deixava de jogar bola na educação física para ficar perto da menina.

Um dia, quando estava saindo para escola, escutei meu vizinho idoso dizendo que iria chover, e, sabendo de suas previsões infalíveis, prontamente, busquei meu guarda-chuva do homem-aranha para me prevenir. Conforme o sábio homem disse, choveu bastante na hora da saída. Percebendo que a moreninha não estava prevenida como eu, ofereci-a uma carona até sua casa. Foi um momento maravilhoso poder estar dividindo o espaço de uma circunferência de um pequeno guarda-chuva com ela. Adorava estar com o meu braço colado ao dela, mesmo que não passasse por minha cabeça nenhum de meus pensamentos que, hoje, se sobressaem quando estou tão próximo de uma mulher. A experiência foi tão marcante que passei a adotar o "método do inverso": quando tinha certeza que iria chover, não levava meu guarda-chuva, para abrigar-me no da moreninha; quando o céu e as previsões meteorológicas da TV e do ancião meu vizinho demonstravam leve possibilidade de chuva, levava o meu, no intuito de poder andar juntinho com a menina. As voltas para casa nos dias chuvosos tornaram-se sempre mais alegres.

No ano letivo seguinte, 6ª série, percebi que minha amiga não tinha ido à escola no primeiro dia, nem no dia seguinte, nem na semana. Foi aí que, após perguntar uma das amigas da moreninha, soube que ela tinha ido embora para o Rio de Janeiro de forma repentina, não dando tempo de se despedir da maioria dos amigos. Nunca mais a vi... Até esses dias.

Semana passada, com a vitória do meu Mengão no campeonato estadual, alguns amigos me chamaram para bebemorar num boteco. Chegando lá, deparei-me com uma coisa inusitada: um botafoguense querendo ter razão mesmo depois da derrota. Além do chorão, outra coisa me chamou mais a atenção: a mulher que nos servia a cerveja. Quando a vi tomei um susto. Os olhos, cabelos e pele eram os mesmos de minha companheirinha da 5ª série; mas seu jeito não era tão doce quanto antes. Ela olhou indiferente para mim – parecia que não se lembrava mais de mim, ou pelo menos fingia não se lembrar. Diante dessa atitude, permaneci inerte, sem lhe dizer nada, somente fitando-a e ela abaixando a cabeça, mesmo que a vontade fosse outra.

Em certo momento, surgiu de trás do balcão uma criança de mais ou menos 2 anos chamando-a de mãe. No primeiro momento fiquei estarrecido com tal coisa, mas depois fui me conscientizando. Afinal, quando ela teve esse filho, provavelmente já tinha seus 16. Embora fosse um pouco precoce, não é nada tão anormal uma mulher ter um filho tão jovem. Quando estava me acostumando com a ideia da moreninha já ter um filho, apareceu outra criança dizendo "mãe". Agora aparentando ser mais velha. Quando um amigo meu puxou assunto com a criança, a mesma respondeu com os dedos da mãe que eram 7! Fazendo rapidamente a conta, percebi que o menininho nascera pouco depois da amizade entre mim e a moreninha; ou seja, aquela mesma menina que brincava comigo, de jeito doce, havia sido mãe. Alguém se aproveitara de sua inocência e lhe fizera um filho. Talvez aquela criança que estava diante de meus olhos tenha sido o motivo da partida súbita da moreninha. Pobre criança filha de outra criança. Depois disso fui embora e meus amigos ficaram sem entender nada. No dia seguinte, tomei coragem e resolvi voltar no bar. Chegando lá, encontrei um homem limpando o recinto, e indaguei a respeito do paradeiro da moça, que me disse que ela havia voltado para o lugar onde morava. Antes de sair, certifiquei-me a respeito do nome, sendo confirmado pelo homem que se tratava, de fato, da moreninha.

Cheguei em casa e não pensava em outra coisa. Ao lado de minhas lembranças dela sorrindo alegre em baixo de guarda-chuvas, estará ela com uma barriga desproporcional de grávida, arrancando-lhe a inocência. Fico a pensar: quantas "moreninhas" deve haver por aí?

5 comentários:

  1. retribuindo o comentario do meu blog!
    parabens! vc escreve muito bem!
    otimas ideias!

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  2. Parabéns pelo blog, percebo que tem grande habilidade com aescrita. Continue assim!

    Se for possível, visite meu espaço:

    http://tempo-horario.blogspot.com/

    Abraço!

    BRUNO

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  3. Você sabe como manter a atenção, eu já estava me sentindo dentro da história!
    Mas ainda to curiosa pra saber o que realmente aconteceu a moreninha =/

    boa sorte, e também vou ficar por perto!

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  4. Querido amigo avassalador...
    Há milhares de "moreninhas" e tb "Fabricios"... pelo o mundo afora... Uns sem tempo de se despedir dos amigos e outros sem coragem em declarar seu amor... ambos se perdem no tempo...ficam "na saudade".
    Linda historia de amor.

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