domingo, 3 de maio de 2009

A cigana

Final de tarde, pisando na areia fofa à beira mar, numa praia deserta do mês de junho, era onde eu estava de corpo mas não de alma, pois meus pensamentos estavam distantes, tão distantes quando o limite do horizonte daquela imensidão azul ao meu lado. Perguntas do tipo: "Por que ela nem me deu ao menos uma chance?" e "Será que ele é melhor do que eu?" vinham e voltavam há todo momento. Sobre a segunda, a resposta só poderia vir através de comparações, e eis que comecei a fazê-las: modéstia à parte, mas eu sou mais gentil, carinhoso e inteligente; ele é tão quebrado quanto eu, o que descarta a possibilidade de interesse financeiro; então só sobra o quesito beleza exterior, que, embora eu não concorde, ele deveria vencer-me de lavada, uma vez que superaria todos os outros atributos de minha pessoa. Foi nesse momento que eu – uma pessoa extremamente cética no que diz respeito às previsões de futuro por meio de leitura de mãos, bola de cristal, astrologia, carta, tarô e tantas outras pseudociências – considerei significativamente o que uma cigana havia me dito anos atrás.

Num dia tórrido de verão, próximo à pequena loja de móveis de minha mãe, parei um daqueles carrinhos de picolé, cujas pessoas que empurram quase sempre gritam "Olha o picolé, olha o picolé" e são rebatidas por crianças oportunas dizendo "Água pura, ninguém quer". Pois bem, perguntei "tem de quê?" e me pus a saborear o gélido petisco, trazendo de meu interior um "Hum!". Mas, antes, havia pagado ao ambulante com uma nota alta, o que lhe fez me entregar várias moedinhas como troco, todas oriundas do dia árduo de trabalho. Uma cigana esperta sentada à sombra observou e foi logo se aproximando para oferecer seus serviços paltados na charlatanice. Pediu-me a mão – mesmo depois de eu ter dito que não acreditava – e colocou-se a revelar meu destino, sorrindo com uma boca repleta de dentes dourados:
– Meu jovem, não duvide do poder de titia – era assim que ela se denominava. – Estou vendo seu destino! Sua linha da mão que corresponde ao coração revela-te uma pessoa muito boa. A da vida, a julgar pelo seu tamanho, digo-te que viverás muito. Mas a linha do amor – parou de falar por alguns segundos para então recomeçar, – é um pouco confusa; vejo que você não será feliz no amor, sofrerá muito por esse sentimento.
Terminou aí seu serviço que me custara metade das moedas recebidas pelo vendedor de picolé.

No momento da "leitura de minha mão" não dei a mínima para o que aquela velha mulher disse, mas tempos depois, após reflexões à beira mar, considerei bastante. Evidentemente que não passei a crer que nossos futuros estão predestinados nas palmas de nossas mãos, sendo possível serem lidos por pessoas nômades que vivem por aí de doações um tanto quanto forçadas; porém, acredito sim que aquela cigana me tenha dito um pouco de verdade. Ora, para ela dizer aquelas palavras, possivelmente, se baseou em algo: quando disse que eu possuía um bom coração, era visando estimular minha benevolência, dando-lhe mais moedas; ao se referir à longa vida, falou por falar, já que eu era bem jovem; e pela infeliz vida amorosa, baseou-se tão-somente em minha forte tendência à feiura. É bem verdade que ninguém, salvo minha mãe e mulheres com idade superior aos sessenta anos e apertadoras de bochechas, havia dito que eu era belo, mas ninguém nunca tinha me chamado, implícita e diretamente, de feio – excluindo as brincadeiras com os amigos.

É óbvio que a conclusão de que sou feio não tirei apenas dessa experiência com a cigana, até porque olhar minha imagem refletida no espelho já diz isso mais abertamente; mas ela me esclareceu bastante. Por onde será que andas aquela senhora?

Um comentário:

  1. Mulher é algo q esta alem das capacidades de compreensao masculina.

    Se vc pensar bem,
    As mulheres avaliam um homem pela blza msm.
    é a sociedade q vivemos.

    Qer ver uma postagem diferent sobre mulher?
    entre:

    http://planetacabruske.blogspot.com/

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